quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A FESTA (Conto)


Olhou ao redor. Sua visão parecia turva. Ouvia as vozes dos convidados em matizes cinzentos.  As vozes cada vez mais e mais longínquas. A orquestra tocava música de Ray Conniff.  A mulher loira de cabelos encaracolados que caíam sobre os ombros e ressaltavam sobre o vestido preto, longo, com um laço bordado na cintura, olhava para ela. Essa é a filha do dono, murmurou João. A mulher aproximou-se deles, mas virou a cabeça e só cumprimentou com elegância o casal de velhos que estava do lado direito, com os olhos fixos no quadro de Portinari.

–  Como Portinari soube exprimir a subjetividade do homem!- exclamou o velho.
–  Meu avô foi amigo de Portinari... declarou  a mulher loira que era a rainha da festa. Um homem elegante, de cabelos grisalhos, aproximou-se, segurando um copo de uísque.
– Querida, a esposa do doutor  Sargado perguntou por você.
–  Com licença – falaram os dois em coro.

A orquestra iniciava um blue. Ela viu a filha do dono aproximar-se de uma mulher com vestido de renda verde escuro e uma jóia enorme pendurada do pescoço. Deve valer uma fortuna, pensou.

E ela ficou ali, sem ar, perto da porta, os olhos turvos e uma vontade de chorar. Havia percorrido todos os brechós da cidade – compre um vestido mais ousado, você parece uma velha, havia falado sua filha Carolina. E ela, para sentir-se jovem, havia escolhido um vestido de uma cor muito chamativa, entre o rosa choque e o roxo, ombros descobertos e brincos enormes – a vendedora disse que estavam na moda.

Mas ao entrar no amplo salão do clube viu que só imperavam cores escuras. As jóias brilhavam entre vestidos pretos, verde-escuros, cinza e prata. A anfitriã vestia uma saia preta, longa, de tafetá e uma blusa bordada.
João, murmurou – eu sou a única com um vestido rosa choque, comprado em um brechó!
– Nem se preocupe, você está bem...

Ela teve vontade de chorar. Olhou em silêncio para seu marido, o paletó marrom escuro, barato, não se parecia em nada com os que ostentavam os outros convidados. Fitou novamente seu marido. Parecia tão mal vestido ao lado desses esnobes elegantes. E ela com uma cor berrante. Somos dois palhaços, pensou.
De repente, a música parou. Alguém importante da firma subiu ao palco e começou um discurso. Ao terminar o discurso, vamos embora, murmurou ela, bem perto do ouvido de João.

Olharam-se e,  em cumplicidade, caminharam a passinhos leves para a porta de entrada que estava aberta.
O orador terminou o discurso e a sala vibrou de tantos aplausos.

Mais um discurso.  O casal entreolhou-se. Ambos sorriram e continuaram a mexer-se devagar e silentes como assassinos em filmes de mistério, até chegar à porta. Só ao sair ela respirou fundo.  Caminharam abraçados entre o jardim e os carros. Passaram pelo portão e avançaram pela rua bem iluminada.  Fazia tanto tempo que não se abraçavam. Caminharam unidos por ruas desertas.

– Vamos pegar um táxi? –  perguntou ele.
– Se você quer...
– A próxima quadra é uma avenida, deve ter um...
– E vamos chegar a tempo para assistir a um filme.
– Você pode fazer pipocas no microondas. Assistir a um filme comendo pipocas é o melhor da vida, não é?
– É sim, é – disse ela com voz entrecortada, passando a língua pelos lábios para enxugar uma lágrima.


ISABEL FURINI é escritora e poeta premiada.

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