Olhou ao redor. Sua visão parecia
turva. Ouvia as vozes dos convidados em matizes cinzentos. As vozes cada vez mais e mais longínquas. A
orquestra tocava música de Ray Conniff.
A mulher loira de cabelos encaracolados que caíam sobre os ombros e
ressaltavam sobre o vestido preto, longo, com um laço bordado na cintura,
olhava para ela. Essa é a filha do dono, murmurou João. A mulher aproximou-se
deles, mas virou a cabeça e só cumprimentou com elegância o casal de velhos que
estava do lado direito, com os olhos fixos no quadro de Portinari.
–
Como Portinari soube exprimir a subjetividade do homem!- exclamou o
velho.
–
Meu avô foi amigo de Portinari... declarou a mulher loira que era a rainha da festa. Um
homem elegante, de cabelos grisalhos, aproximou-se, segurando um copo de
uísque.
– Querida, a esposa do
doutor Sargado perguntou por você.
–
Com licença – falaram os dois em coro.
A orquestra iniciava um blue. Ela
viu a filha do dono aproximar-se de uma mulher com vestido de renda verde
escuro e uma jóia enorme pendurada do pescoço. Deve valer uma fortuna, pensou.
E ela ficou ali, sem ar, perto da
porta, os olhos turvos e uma vontade de chorar. Havia percorrido todos os
brechós da cidade – compre um vestido mais ousado, você parece uma velha, havia
falado sua filha Carolina. E ela, para sentir-se jovem, havia escolhido um
vestido de uma cor muito chamativa, entre o rosa choque e o roxo, ombros
descobertos e brincos enormes – a vendedora disse que estavam na moda.
Mas ao entrar no amplo salão do
clube viu que só imperavam cores escuras. As jóias brilhavam entre vestidos
pretos, verde-escuros, cinza e prata. A anfitriã vestia uma saia preta, longa,
de tafetá e uma blusa bordada.
João, murmurou – eu sou a única
com um vestido rosa choque, comprado em um brechó!
– Nem se preocupe, você está
bem...
Ela teve vontade de chorar. Olhou
em silêncio para seu marido, o paletó marrom escuro, barato, não se parecia em
nada com os que ostentavam os outros convidados. Fitou novamente seu marido.
Parecia tão mal vestido ao lado desses esnobes elegantes. E ela com uma cor
berrante. Somos dois palhaços, pensou.
De repente, a música parou.
Alguém importante da firma subiu ao palco e começou um discurso. Ao terminar o
discurso, vamos embora, murmurou ela, bem perto do ouvido de João.
Olharam-se e, em cumplicidade, caminharam a passinhos leves
para a porta de entrada que estava aberta.
O orador terminou o discurso e a
sala vibrou de tantos aplausos.
Mais um discurso. O casal entreolhou-se. Ambos sorriram e
continuaram a mexer-se devagar e silentes como assassinos em filmes de
mistério, até chegar à porta. Só ao sair ela respirou fundo. Caminharam abraçados entre o jardim e os
carros. Passaram pelo portão e avançaram pela rua bem iluminada. Fazia tanto tempo que não se abraçavam.
Caminharam unidos por ruas desertas.
– Vamos pegar um táxi? – perguntou ele.
– Se você quer...
– A próxima quadra é uma avenida,
deve ter um...
– E vamos chegar a tempo para
assistir a um filme.
– Você pode fazer pipocas no
microondas. Assistir a um filme comendo pipocas é o melhor da vida, não é?
– É sim, é – disse ela com voz
entrecortada, passando a língua pelos lábios para enxugar uma lágrima.
ISABEL
FURINI é escritora e poeta premiada.