sábado, 16 de março de 2013

OS PORTÕES - CONTO DE ISABEL FURINI


OS PORTÕES
            Pegou um gladíolo que sobressaía entre as flores que sua irmã havia espalhado sobre o túmulo e colocou-o no vaso de cerâmica azul com desenhos bucólicos. Depois foi a vez de arrumar os cravos brancos, logo as calêndulas junto com folhas verdes. Sempre gostou de ramalhetes, até fez cursos de ikebana, por isso, nessa tarde de domingo, quando sua irmã Cacilda, sempre impaciente, espalhou as flores sobre o túmulo, rezou uma rápida prece e disse tchau Maria, vou para casa de mamãe, ela nem se preocupou.
Quando terminou de arrumar as flores, o Sol já estava caindo e faltava pouco para que o guarda-noturno do cemitério fechasse os portões. Deveria ter saído com Cacilda em vez de dizer tchau e continuar arrumando as flores.  Por que eu não fiz isso? Por que sou tão detalhista? Pensava enquanto caminhava entre as cruzes e os túmulos em busca de uma saída.
O sol começava a cair e ela, receosa, acelerou o passo. Olhou para os lados. O cemitério ficou deserto e ela lá, sozinha. Começou a sentir um friozinho na barriga. Deu para perceber o formigamento nas mãos, sempre que se assusta tem essa sensação desagradável. Acelerou ainda mais o passo, tentou correr. Não conseguiu. Sempre que sentia medo acontecia a mesma coisa, suas pernas não obedeciam a seu comando. Essas cruzes. Oh! não!..  errei o caminho.  Estava na parte detrás do cemitério, só via um muro pintado de branco. Só isso. Voltou sobre seus passos, túmulos enfileirados e mais túmulos...Seria essa a rua certa? Sentiu medo.
Queria sair e rápido. O sol se escondia no horizonte. Cacilda estava apressada, disse tchau Maria, podia ter me esperado - mas não, nunca me espera, desde criança ela gosta de deixar-me para trás. Ela, por ser a mais velha, sempre teve mais liberdade.  Para onde estou indo? Estou perdida.  Calma, Maria, calma, você conhece este cemitério, já veio aqui várias vezes. Calma, calma. Avançou entre os mausoléus. Ah! Já estava perto de um portão, que sorte!... Queria sair imediatamente dali. Não conseguia correr, mas conseguia caminhar, ao menos isso. Seus pés pareciam presos a terra, seu passo não era tão rápido quanto ela queria e suas pernas tremiam, mas estava indo para frente enquanto as sombras avançavam. Com desespero, viu o muro branco e os portões fechados. Não conseguiria sair. Onde estará o guarda- noturno?
 As sombras se espalharam sobre os túmulos dando ao cemitério um aspecto fantasmagórico. Os mortos eram isso mesmo, mortos. Nada poderiam fazer contra ela, mas mesmo assim ela sentia medo. Devia ter saído com sua irmã. Cacilda sempre fazia visitas rápidas apenas para colocar as flores de qualquer maneira, sem nenhuma arte e rezar uma Ave Maria.
Devia reconhecer a verdade, não sabia o caminho para o portão principal do cemitério e estava anoitecendo. Anoitecendo depressa. As sombras se estenderam e ela aí, caminhando sem cessar. Tentando sair. E o vigia? Olhou suas roupas novas. Nem lembrava quando as havia comprado. Estava tão estressada que nem conseguia lembrar quando ou em que loja comprara essas roupas.  Pena que não tinha o celular com ela. Ela havia esquecido o celular em casa!... Seguramente na mesa de jantar ou talvez no criado mudo. Não tinha nem um espelho. Queria olhar-se no espelho. Que ridículo! Pensou. Querer olhar-se no espelho em um momento desses.  
Aquele mausoléu de mármore branco!.. Desse mausoléu lembrava bem, estava à esquerda do portão principal. Que sorte! O guarda estará lá. Ele abrirá o portão. Que bom. Ele abrirá o portão. Apressou o passo e lá estava o portão.  Suspirou aliviada.
Sob os últimos raios do sol e a lua cheia que começava a aparecer no horizonte, viu o portão, mas ninguém por perto. E o guarda? Avançou até o portão e olhou para os lados. A solução é escalar, pensou. E, determinada, começou a escalar o portão, primeiro colocou um pé na barra inferior da grade e ergueu os braços para segurar na parte superior. Conseguiu elevar-se um pouco. Esforçou-se mais, ergueu os braços novamente e segurou uma das barras horizontais. Já estou perto do topo, que sorte! Mais um esforço e... tocou a barra superior do portão, um pé no ar e o outro pé escorregou antes de poder segurar com as mãos e caiu de costas. Sentou-se rapidamente no chão, não estava machucada,  mas devia iniciar de novo a subida.   O guarda-noturno estará perto? Olhou para os lados. Ninguém. Ficaria aí, agarrada ao portão. Alguém passaria a qualquer momento e a ajudaria. Suas mãos se aferraram às grades altas. Quando criança já havia tocado essas grades, foi no enterro da avó e sempre lhe pareceram muito frias. Mas agora não. Nem sentia a temperatura, ela estava tão fria quanto o portão. As mãos frias e morrendo de medo.
De repente, sons de passos. Um jovem de cabelo loiro transitava pela rua, vinha do bairro em direção ao ponto de ônibus.  No desespero por chamar a atenção do rapaz sacudiu o portão e gritou, gritou com todas suas forças. Viu o rapaz parar em frente do portão, com os olhos arregalados por um segundo, e sair correndo apavorado.
–  Idiota!..  Volte!... Ajude-me a sair daqui.
            –  O que foi moça? – perguntou alguém atrás dela.
            Graças a Deus, o guarda do cemitério a escutara. Voltou-se. O que viu a deixou confusa. Havia inúmeras pessoas atrás dela, homens, mulheres, velhos, jovens, adultos, crianças. Todos olhando o portão. Alguns com tristeza, outros com desespero e outros ainda, com raiva.
Um velho aproximou-se dela.
            –  Você deve ser nova aqui e não conhece as regras. Só podemos olhar para fora, mas não podemos sair. Não podemos sair. Só os vivos podem, só os vivos.
*****
Menção Honrosa no Concurso de Porto Seguro, em 2009.

VIRGINIDADE LEILOADA E LEI DE BONS COSTUMES




(Crônica de Isabel Furini)


Você não acha interessante ver como nossa sociedade contemporânea, como o mundo mudou nas últimas décadas? Estamos acostumados a ver leilões de objetos, obras de arte como quadros e estátuas, móveis antigos, imóveis, enfim, muitas coisas terminam indo para leilão. Os famosos quadros de Bottero e as joias de alguma condessa da Europa.

Já escutamos de pessoas que tiveram que leiloar uma mansão antiga da família herdada com dívidas. Surpreendeu em 2012 a obra "O Grito", de Edvard Munch (1863-1944), vendida por US$ 120.000.000,00 – é a pintura mais cara da história a ser vendida em um leilão. Mas o novo milênio, que não é a beleza que os místicos da Nova Era esperavam, ainda nos reservava uma novidade: nunca havíamos escutado alguém leiloar a virgindade.

Honestamente, eu não sei se leiloar a virgindade é mesmo contra a lei. Alguns acham que é contra “a lei dos bons costumes”, ainda que todos sabemos que “os bons costumes” muitas vezes não passam de uma imagem bonita.

Por exemplo, eu li muitas críticas na internet porque a lei promovendo “bons costumes” foi de autoria da deputada estadual Myrian Rios (RJ), uma moça bonita nos anos 70, que posou nua em fevereiro e julho de 1978 para a revista Ele & Ela, da Bloch Editores. Fotos que não serão publicadas novamente, pois o cantor Roberto Carlos comprou das editoras todos os direitos sobre as fotografias.

Bom, o mundo por um lado quer “bons costumes”, mas por outro adora o livro “Cinquenta tons de cinza”, que de bons costumes não tem nada. E fica a pergunta: será que Catarina Migliorini, 20 anos, que leiloou sua virgindade, pode ser processada por ter infringido a lei?

O leilão publicado na internet teve um lance final R$ 1,5 milhão, feito por um japonês de nome Natsu. Será que isso vai mesmo contra a “lei de bons costumes”? Ou seja, será que vender a virgindade é contra a lei dos “bons costumes” e posar nua não é contra a lei? Por que algumas revistas masculinas continuam expondo a nudez feminina.

Será que podemos imaginar uma nova época, na qual junto com leilões de quadros possamos ler editais de leilão de virgindade? Por exemplo: “Hoje serão leiloados quadros de artistas famosos e depois passaremos ao leilão da virgindade de três moças e um rapaz”. Será que essa época vai chegar mesmo?

sábado, 9 de março de 2013

O poeta - o poetinha (Crônica)


Sempre tem um membro da família que é difícil de aturar, não é? Talvez tenha acontecido com você tentar ser simpático com esse elemento e acabar se dando mal. Vou iniciar pelo início, como convém a uma crônica. Há três ou quatro meses, recebi um e–mail do tio Sabrino. Para animá-lo, fiz um elogio a sua escrita. Foi um elogio breve. Eu não sabia que ia  causar tanta euforia!... No e-mail seguinte, confessou que nunca havia pensado que ele escrevia bem, mas que ficava grato com meu comentário.
            Tudo podia ter acabado por aí... mas não, eu tive a péssima ideia de ajudá–lo. O poeta  Juliano,  enviou–me um poema já traduzido para o espanhol a fim de que eu auxiliasse com a tradução de uma palavra. Só uma palavra. E foi aí que cometi o erro!.. Enviei para  tio Sabrino, que mora em Buenos Aires. Ele ficou feliz, não só corrigiu um verso, ele renovou o poema completo. Destruiu sistematicamente cada estrofe. Alguns acham que rimando bolinho com carrinho, já tem um grande poema. Esse era o  do tio.
            Dias depois, recebi um e-mail do tio com vários poemas, todos de péssimo gosto e uma carta onde agradecia ao Juliano. Corrigir esse poema o havia entusiasmado, havia despertado seu lado poético, que, sejamos honestos, era bem melhor quando estava dormindo.
            Então o tio Sabrino iniciou uma época de criatividade inigualável. Todos os dias enviava algum e-mail com novos poemas, até que eu decidi não responder. Ele ligou por telefone, eu falei que o computador estava com problemas. Ele leu seus poemas no telefone. Dias mais tarde recebi algumas cartas com novos poemas. Todos ruins... Decidi voltar à comunicação via e-mail. Eu  não queria ofender meu tio, mas... ele estava assassinando a Musa da poesia.  Semana passada minha tia ligou, queria que eu agradecesse ao Juliano. Meu tio nunca esteve tão feliz. Ser poeta   dera um novo sentido à sua vida, apesar do assassinato literário, claro...
            Eu não sabia o que dizer até que ontem... ontem mesmo, tio Sabrino ligou desde Buenos Aires. Foi para ler um conto. Feliz, disse que estava escrevendo crônicas e  pensando em  um romance. Escutei, com resignação, o conto insuportável que meu tio havia escrito.  Ah!.. Disse ele antes de desligar, agradeça  ao Juliano... O Juliano... era verdade, Juliano havia inspirado a onda de crimes literários, pois meu tio não era mais um simples assassino de uma Musa, ele se havia convertido em um serial killer.

Isabel Furini, escritora e palestrante, orienta oficinas no Solar do Rosário, Largo da Ordem, Curitiba. 

segunda-feira, 4 de março de 2013

Como Escrever e Publicar livros

Iniciará amanhã, 05 de março, a partir das 19 horas, a Oficina do Escritor. Durante 4 meses, uma vez na semana, os participantes poderão analisar, refletir e debater sobre: Como Escrever e Publicar um Livro, no Solar do Rosário, Rua Duque de Caxias, 04, Centro Histórico, Curitiba.

Informações pelo fone: (41) 3225-6232.
 
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