sábado, 1 de fevereiro de 2014

O ESCRITOR

O ESCRITOR

Ernesto mudou-se do centro da cidade para o bairro de Bacacheri, perto do parque. Precisava de silêncio para escrever sua obra fundamental. Renovarei as letras, falava com seus botões. 

Nessa manhã de sábado estava sentado diante do computador. Escrevia o primeiro parágrafo de seu novo romance. Que nome daria à sua personagem? Teria que iniciar com A para demonstrar que o enredo partia de uma ação realizada pela protagonista. Ana seria um bom nome? Não! Curto demais. Anastásia? Não! Poderia ser confundido com a história da nobre russa desaparecida. Anacleta... não... não... Albertina? Isso mesmo! Albertina! Albertina foi o nome escolhido por Proust para sua personagem feminina. Por que não? Ao final, meu livro tem uma marcante influência proustiana, concluiu. 

Uma vez escolhido o nome da protagonista, o escritor inicia o primeiro parágrafo. Tem que ser visceral, pensou. Dilacerante! “No quarto escuro, Albertina apalpa as paredes. Onde estará o espelho de luz? Um reflexo luminoso no chão. A luz entrava por baixo da porta. Do outro lado, vozes e risos. Uma festa? Não lembrava...” Não lembrava... eu escrevi não lembrava mas ficou feio. Tenho que achar outra frase. Vejamos. Uma festa? Albertina estava confusa... Que porcaria... não era isso, não. O que escrever depois da pergunta: uma festa? Imagens rápidas... Não, rápidas não!.. Imagens entrecortadas. Isso ficou bom: imagens entrecortadas acudiam velozes. Que diabos estou escrevendo? Imagens não acodem... imagens... imagens aparecem? Surgem? Nada disso. Ernesto deleta as frases e volta àquela pergunta: Uma festa? 

Ele tentou escrever esse parágrafo durante horas a fio. O sol caía no horizonte quando Ernesto, desesperado, olhou o céu azul profundo com matizes vermelhos. Olhou o monitor. Não havia conseguido terminar o primeiro parágrafo. Nem o retrato de Proust, colocado na estante lhe havia servido de inspiração. – Se não posso ser igual a Proust, para que viver? – perguntou-se. Sempre olhando o céu, encaminhou-se à janela. E trêmulo e corajoso ao mesmo tempo, gritou: 
– Márcia, coloque no meu epitáfio: Foi um bom escritor. 

A esposa correu até o quarto, mas era tarde demais. Chegou no momento em que Ernesto, de olhos fechados, jogava-se pela janela. Machucou o braço e as costas. Tentou sentar-se na grama, enquanto Márcia, colocando a cabeça para fora da janela, gritava: – Ernesto, o que tentou fazer? Você esqueceu que agora moramos no térreo?

Isabel Furini é escritora e poeta premiada - e-mail: isabelfurini@hotmail.com
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