quinta-feira, 12 de setembro de 2013

NEGUINHA (conto de Isabel Furini)

                        Sentou-se no lado direito do túmulo. O dia estava ensolarado. Não era dia para ir ao cemitério, pensou. Sol é bom para passeio, para praia, mas ela estava ali,  colocando flores recém-compradas em um vaso grande, de porcelana pintada de azul e sem água. As flores não iam durar muito. Mas que  importa?

Observou detidamente a fotografia de um homem de queixo quadrado e olhos azuis em um porta-retrato pequeno, de metal outrora dourado e agora escuro. Olhou de perto.  Quebrou-se uma das pontas do porta-retrato, eu posso trazer outro, mas não... mortos não reclamam de nada, pensou.  Meu pai, meu pai, murmurou com o olhar fixo na fotografia.

Lembra, pai? Lembra quando você me chamava de neguinha feia? Lembra disso? Pois eu não esqueci. Você dizia com sua voz altissonante, parecida com a voz do homem que vendia sonhos de nata e passava pelo bairro pobre, de chão batido, gritando sob o sol do meio-dia: Sonhos, sonhos baratos.

Neguinha feia! Menina, você está cada dia mais negra, mais magra e mais feia, repetia aos gritos, cuspindo saliva pelos cantos da boca. E que vergonha você sentia da Neguinha feia, não é verdade, pai? Tinha vergonha sim. Tinha vergonha de apresentar sua filha negra a seus parentes de olhos azuis e cabelos mais ou menos loiros. Mamãe colocava um vestidinho branco e minhas primas loiras riam de mim, dizendo: Parece mais negra ainda. Parece piche. Parece noite escura. Parece jabuticaba. E você escutava e ria. Ria de mim.

Que pai honesto ri da própria filha? E depois, como bom homem, ainda enchia a boca de saliva ao dizer: Não sou racista, casei com uma negra. Casou sim, foi porque eu ia nascer e o avô pediu ajuda ao Xangô. Foi porque você estava com febre alta e não sabia nem o que dizia. Foi porque o tio te arrastou até a igreja e ordenou ao padre que fizesse a cerimônia!...

Forte o tio Chico. Todo mundo o respeitava. Todos fugiam quando seus olhos se incendiavam de raiva. Até você teve medo dele, pai. Até você!... E hoje você não tem mais medo de nada. Está ai, na terra desse cemitério, em um túmulo sem flores. E eu vim para te visitar, pai. Trouxe algumas flores só para demonstrar que sou boa filha.

Escutou alguém chorar. Virou a cabeça. Uma mulher estava diante do túmulo de mármore branco, bem perto dela. Não sou a única que sofre, murmurou.

Trouxe flores, sim. Mas eu não vim pelas flores, não! Estou aqui para dizer que não precisa mais ter  vergonha de mim pai.  Pois agora eu sou uma das vozes do Brasil, pai. Você morreu sem saber, que pena que morreu sem saber. Mas eu vou te contar, eu herdei a voz da avó Eugênia, a primeira mulher do avô. Aquela que fugiu com o mestre-sala de escola de samba. Eu sou uma cantora negra, pai. Todos gostam de mim.  Enquanto minhas primas brancas trabalham de segunda a sábado, vendendo roupas chiques para as branquelas ricas, eu sou famosa, pai. Eu vou comprar os vestidos que elas vendem e que não podem comprar. E elas me olham com inveja.  Elas têm inveja da Neguinha feia, da Neguinha de cor de piche. Sabe por que, pai? Porque eu sou uma guerreira. Eu triunfei pai. Eu sou negra e vencedora e tenho tanto orgulho disso!...  É isso aí, pai. Eu sou negra e tenho orgulho de ser negra.
Isabel Furini é escritora e poeta premiada.


A POLÊMICA DOS BEST- SELLERS!..

       
Ler ou não ler best-sellers? Eis a questão!... A polêmica é longa e acirrada. Amantes de detratores dos best-sellers se enfrentam nas arenas dos pontos de vista.

Há pessoas que sentem orgulho em ler best-sellers, outras sentem vergonha e o escondem no quarto para deleitar-se lendo algumas páginas antes de dormir, e ainda há aqueles que odeiam os best-sellers, mas odeiam mesmo!... Jamais lêem.

Alguns leitores declaram que esses livros ocupam espaços nas prateleiras das livrarias que poderiam ser ocupados por livros de maior valor literário, pensam que se não existissem os best-sellers as pessoas passariam a ler Ulisses ou Grande Sertão Veredas. Estamos de acordo em que os livros populares ganham os lugares mais visíveis e destacados das livrarias e que, se fossem colocados outros livros nesses locais, ficariam em destaque, o que aumentaria suas chances de vendas. Mas também devemos entender que existem vários tipos de leitores.

Uma pessoa acostumada a uma leitura rápida e descomprometida como um best-seller, raramente vai gostar de livros com maior profundidade, como o Ulisses de Joyce ou Vidas Secas de Graciliano Ramos. O importante é entender que as pessoas procuram coisas diferentes quando escolhem livros de ficção, uns procuram conhecimentos sobre a vida, análise profunda de personagens e de situações, enquanto outros só querem um momento de entretenimento, algo que os tire da monotonia do cotidiano.

Luiz Fernando Veríssimo disse, em uma palestra, com seu humor característico, que é bom as pessoas entrarem nas livrarias para comprar best-sellers, pois, de repente, um livro dele pode estar ao lado e a pessoa pode adquiri-lo também.

O best-seller é só leitura para entretenimento e, desse ponto de vista, é um passatempo sadio. Na realidade, parece que a alternativa é ler best-seller ou nadinha. A maioria está de acordo em que a primeira opção é a melhor.

Porque ler é sempre uma maneira de enriquecer nosso mundo, você não acha?

Isabel Furini é escritora, palestrante e poeta premiada. Contato (41) 8813-9276.

 
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