sexta-feira, 6 de julho de 2012

LIVRO BOM, LIVRO RUIM


Na oficina Como escrever um livro, que oriento há muitos anos, houve uma discussão quando uma aluna disse: Comecei a ler o Senhor dos Anéis, um livro muito mal escrito. Um colega contra-argumentou: Eu gostei do livro. Se você não gostou, é um problema seu, isso não quer dizer que não seja um bom livro, só que não agrada a todos os leitores.

E eu tive que desafiar o grupo com uma pergunta:
- Será que existe um livro que agrada a todos os leitores?

Uma senhora respondeu: - A Bíblia.
Um rapaz retrucou: - Será que ateus gostam de ler a Bíblia? (Risos)
Alguém disse: - Machado de Assis.
Apoiou um senhor idoso: - Isso mesmo.
Um aluno não esteve de acordo: - Minha tia não gosta de Machado de Assis, porque uma professora obrigou-a a ler O Alienista no colegial, na época que havia colegial...

- E os Lusíadas de Camões?
Silêncio na sala. Por fim, um rapaz disse: - Será que todos leram Os Lusíadas? Eu nunca vi esse livro na lista dos mais vendidos. E será que todos aqueles que leram apreciaram o livro? Ou alguns têm medo de falar que não gostaram e de parecer burros?

A discussão continuou por algum tempo. Por fim, eles mesmos chegaram à conclusão de que existe um livro aceito por todos os leitores. Existem livros aceitos pela maioria dos leitores, os best-sellers. Existem livros aceitos pela maioria dos intelectuais, em geral, livros que ganham prêmios importantes. Mas sonhar que um livro será apreciado e aplaudido por todos os leitores é algo muito difícil de acontecer. Talvez impossível em um país livre. Cada cabeça é um universo. Tem suas nuances. Sua história pessoal. Seu olhar único.
É tão fácil criticar o trabalho de outrem e tão difícil criar e realizar uma obra de arte que o aforismo fala “a crítica é fácil, a arte, difícil”. É assim mesmo, ver o erro no trabalho dos outros não leva muito tempo, por exemplo, observar um quadro e criticar pode levar questão de minutos.

Ler um texto e sentir desagrado também não leva muito tempo, em geral depende da dimensão do texto a ser lido. E, às vezes, nem isso. O leitor começa o texto e nem dá chances... já forma uma opinião ao focar as primeiras frases. E é muito interessante que a maioria das pessoas não fala: eu gostei, ou eu não gostei do texto, ela afirma: “está muito bem escrito”, “está mal escrito”, ou pior ainda, “esse é um bom escritor”, “esse escritor é ruim”, como se umas poucas frases fossem suficientes para julgar a obra completa de um autor.

“Eu não gostei desse livro” é uma frase honesta. “Esse livro é ruim” é uma frase fruto da arrogância, que tenta mostrar que a opinião dessa pessoa tem valor universal. Parece que ela está gritando: “Ei! Não leiam esse livro! Eu não gostei e ninguém deve gostar dele. Eu já falei, esse livro é ruim. Escutem meu recado”.

É comum em concursos literários haver pessoas insatisfeitas, aqueles que não ganharam, logicamente. Algumas dessas pessoas, ao conhecer os poemas ganhadores, enviam e-mails dizendo: “O poema que ganhou o primeiro lugar não é bom”. E não adianta. O poema precisa ser bom para os jurados. Às vezes eu também não fico contente com um trabalho que conquista o primeiro lugar, mas fico em silêncio pensando que cada ser humano tem vivências e ideias diferentes e que é preciso aprender a respeitar a escolha dos outros.

Isabel Furini é escritora e poeta premiada, autora de “,,, E OUTROS SILÊNCIOS” que será lançado em 08 de julho/12, 11 horas, no auditório do Solar do Rosário, Largo da Ordem. Entrada franca.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

SOMBRAS (Conto)



Eduarda levanta a espada e as sombras retrocedem.

Ela desce um pouco a espada até ficar horizontal em relação a seu próprio ombro. Só isso e as sombras pulam do mostrador dispostas a atacá-la.

Encaram-na. Eduarda, outra vez, aponta a espada para o lugar do coração da sombra maior (a sombra rainha). A sombra rapidamente pula e se esconde no chapéu de feltro do homem de bigode, que está sozinho, sentado à mesa do canto direito diante de uma garrafa de cerveja olhando ao redor em busca de um amigo. O homem mexe um pouco a cabeça, o chapéu fica de lado e a sombra aproveita para entrar. Eduarda a persegue. O homem e o chapéu mudam de mesa. O homem cumprimenta um senhor obeso da mesa junto à janela. As sombras barrigudas rodeiam o gordo, mas ele não se importa, nem nota.

Eduarda avança. Lutar contra sombras é sempre uma tarefa perigosa e desgastante. Sombras são fortes, escondem-se na luz e fortalecem-se na escuridão. Sombras são seres sem dimensão, podem esconder-se em qualquer lugar. Atrás do chapéu, na etiqueta de uma garrafa, na asa da xícara de café, na borda da mesa. Sombras são poderosas e sapecas, como crianças mimadas, dispostas sempre a fazer seus gostos.

O tempo passou e Eduarda continua na tarefa de lutar. As sombras se multiplicam, mas Eduarda resiste firme. Os homens continuam a beber. Os dias sucedem as noites e vice-versa. O mundo rodopia numa máquina de ilusões guiada por uma grande bola dourada chamada Sol.

Eduarda tenta dar uma estocada mortal em uma sombra que procurava esconder-se na borda do copo de cachaça e consegue. A cachaça é amiga das sombras, esconde-as para que os homens não as vejam.

Eduarda persegue a sombra barriguda. Amigos invisíveis a ajudam, alguns atacam as sombras curvas, outros, as sombras retas e outros ainda, as sombras magras. Nessa noite, Eduarda decidiu perseguir a sombra barriguda quando o dono do bar aproximou-se com um copo dizendo: Olhe, velha louca, é para você. Descanse e beba.

Nesse momento Eduarda abriu os olhos, já havia rugas nos cantos dos olhos, nas bochechas, perto dos lábios. Rugas e mais rugas... E não havia conseguido nada, absolutamente nada. As sombras continuavam sendo sombras, brincavam nas paredes, riam do pranto dos bêbados, escondiam-se em botões, chapéus e cadarços de sapatos. Os homens bebiam no bar por diversão ou para esquecer os problemas. Alguns falavam. Outros estavam silenciosos. Alguns jogavam sinuca. Outros observavam, mas ninguém percebia o poder das sombras.

Eduarda pegou o copo de vinho e bebeu lentamente.

Isabel Furini é escritora e poeta premiada. Contato: isabelfurini@hotmail.com



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