segunda-feira, 4 de junho de 2012

A CRÔNICA E OS ESPELHOS



            Há anos oriento oficinas de literatura, e uma pergunta que surge frequentemente me leva a pensar que na atualidade o ser humano tem medo de pensar por si mesmo e medo de se expor. A pergunta é: “e sobre qual tema vou fazer uma crônica?”.  Essa pergunta é feita por pessoas inteligentes, capazes, muitas delas formados, bons profissionais, mas que têm medo de expressar o seu mundo interior, medo de errar, medo de escrever sobre algum assunto que desagrade.
            Em primeiro lugar, devo dizer que uma das características do bom cronista é o fato de ser desagradável. Ele não pode agradar a todos, nem tentar fazer isso. Ele é como um espelho de sua época. Reflete o entorno.
O cronista procura as armas mais adequadas para escrever a sua crônica. Às vezes, pode ser chamado de canastrão e outros, de pessoa sensível. Ele nem sempre está preocupado com o impacto de suas palavras, mas com a satisfação de dizer alguma verdade que paira na sua cabeça e não o deixa dormir.
            Tem também o medo de errar, sim, porque o século XXI tem uma obsessão com uma meta impossível: a perfeição. As pessoas acham que devem ser perfeitas. Ter o corpo perfeito. Não ter rugas, apesar de que os anos passam e mostram o contrário. Triunfar em tudo – para isso estão os filmes americanos mostrando o triunfador em esportes, em negócios, na vida. Dizer que não conhecem o ódio nem o rancor, são grandes e bons, verdadeiros heróis. Devem mostrar que também a vida familiar é uma perfeição. Ninguém fala uma palavra em voz alta. São todos seres equilibrados. Sim, porque neurose, obsessões, bipolaridade, depressão e outros sintomas de nossa sociedade consumista só atingem os outros. Cada um tenta mostrar a sua maneira que navega no barco da perfeição enquanto mora numa sociedade na qual impera a competição e a neurose pelo poder e pela riqueza.
            Seres humanos são contraditórios. Interessante é perceber que sentimos vergonha dessa contradição, contradições entre palavras e ações, contradições internas, por exemplo, entre o dever e o desejo, entre o ideal de beleza e o instinto de sobrevivência, que nos induz a fazer coisas nem sempre certas. As próprias empresas correm atrás do lucro para poder sobreviver, mas só falam de sua “missão idealista”. Uma empresa que não dá lucros fecha as portas, não interessa que seu ideal seja maravilhoso. Um ser humano que não sabe se proteger dos joguinhos de poder do mundo neurótico que vivemos será facilmente manipulado. Mas é melhor fechar os olhos, continuar o sonho da perfeição, dizer que somos maravilhosos... santos ou anjos caídos no planeta Terra.
            Talvez por isso não importem os estudos, a formação profissional, o nível socioeconômico. Muitos alunos perguntam: Sobre qual assunto vou escrever? Talvez eles desejem algum assunto muito simpático para não revelar o ser interior. Porque, sejamos honestos, é impossível viver só de photoshop. Tarde ou cedo é preciso olhar no espelho da verdade, ainda que seja só para escrever uma crônica.

Isabel Furini é escritora e poeta, autora de “Os Corvos de Van Gogh”, orienta oficinas literárias no Solar do Rosário. Contato (41) 8813-9276.


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