sábado, 14 de abril de 2012

Carlinhos e Carlão

Aniversário de Alberto. Meu irmão, o Carlão, virá com alguma de suas loucuras. Já o presenteou com um vômito de plástico, com cocô... nem sei de que material, parecia de verdade. Deu copo com mosca, refrigerante que faz babar... O Alberto queria matá-lo, até que...

– A sociedade está perdendo os valores éticos. A sociedade de consumo, consumiu nossos valores! – gritou Alberto para finalizar o discurso. Os alunos aplaudiram. O diretor não gostou. Os pais deram queixa: o professor Alberto usava da retórica para colocar os filhos contra o sistema. Foi demitido.

Alberto era o único dos três irmãos que estudara. Meu sogro, ao morrer, deixou uma chácara para o mais velho, uma padaria para o filho do meio e, para o caçula, uma poupança para terminar os estudos. Alberto formou-se em História.

Nessa tarde quente de primavera, Alberto aproximou-se do prédio, cabisbaixo. Eu falava no hall de entrada com dona Rosa, a velhinha do 504. Elevador em manutenção. Nesse momento, a Ramona, enorme como uma montanha, com aquela obesidade mórbida que é impossível ocultar – 175 quilos, descia as escadas. Roupa clara, florida, esvoaçante, parecia uma barraca. .

– Meninas – grita desde a escada – voltei a nadar e estou adorando...
Parabenizamo-la pela iniciativa. Ramona caminha até o carro – o estacionamento fica na frente do prédio – entra atabalhoadamente e se afasta. Carlinhos, meu filho, parece entretido com seu aviãozinho de brinquedo.

– Você não vai acreditar, mas ela nada bem... – comentei.

– Estranho, verdade..

– Estranho, nada – disse Carlinhos parando a brincadeira – Estranho, nada, baleias nadam bem... todo mundo sabe. Olhou com os olhos arregalados pela surpresa. Dona Rosa, a senhora não sabia que as baleias nadam bem?

Dona Rosa soltou uma gargalhada. Nesse momento entrou o Alberto. Lúcia, preciso falar com você, disse com voz triste. Perdi o emprego, murmurou.

– Vamos comer bolo, Carlinhos?... Podemos subir devagar – disse dona Rosa para amenizar a situação.

A notícia se espalhou. A família toda entrou em desespero. Os tios de Alberto, meus pais, os irmãos de Alberto, minhas primas. Todos estavam revoltados. Falavam em processar a escola, em processar o diretor, os pais dos alunos, até em processar o porteiro da escola. Só o Carlão permanecia tranqüilo.

Ainda lembro quando falamos sobre o assunto. Foi numa tarde. O Carlão ia cuidar do Carlinhos porque eu precisava consultar o médico e Alberto tinha uma entrevista de emprego. Estava do lado de fora, esperando-o . O Carlinhos brincando com um carrinho entre as poltronas do hall. Duas senhoras idosas, idosas mesmo, falavam sobre doenças, ao lado da porta. Uma apoiou-se do lado direito, e a outra, do lado esquerdo da porta. Desculpa o atraso, mana, disse o Carlão e entrou correndo, passando entre elas sem cumprimentar. Uma das senhoras olhou para ele e gritou:

– Juventude sem educação, passou entre nós duas e nem disse boa tarde.
Carlão virou-se e irônico retrucou: – Desculpem, achei que as duas múmias faziam parte da decoração do prédio. Eu baixei a cabeça e caminhei até o carro. O Carlão e Carlinhos sempre me faziam ficar envergonhada.

– O que disse o médico? – perguntou o Carlão.

– Só estresse... – respondi quase chorando... É que se Alberto não consegue emprego... não sei... devemos R$15.000,00 ao banco.... vamos perder o apartamento... Carlão.... onde vamos morar?

– Podem morar comigo...

– Você mora numa quitinete...

– É verdade... não se preocupe, já vai surgir alguma solução.
Eu continuei preocupando-me. Às vezes, o Carlinhos, com seus cinco anos, aproximava-se de mim – Por que está tão triste, mãe? Eu não respondia... não sabia o que dizer.

Uma semana depois, à noite, o Carlão chegou acompanhado da Marilda, a namoradinha loira. Entregou-nos R$ 15.000,00 em notas de cinqüenta... Foi a maior agitação, lá em casa. O Carlinhos pulava do sofá, subia e pulava novamente. Alberto achava que o Carlão tinha roubado. Minha mãe gritava que o filho não era ladrão. Eu perguntava de onde ele havia tirado o dinheiro.

– Ele não roubou, não... ele é um gênio! -exclamou a Marilda e deu-lhe um beijão na boca... desses de tirar o fôlego.

No dia anterior, o Carlão tinha solicitado falar com Osvaldo, o chefe. Osvaldo era um quarentão arrogante e egocêntrico. Metido a besta, segundo os funcionários. Era namoradeiro, um play-boy e bom gourmet. Foi recebido pelo Osvaldo às dezesseis horas. Sala grande, luminosa, computador de última geração.

– Admiro o senhor e por isso, tenho que falar. Bom, não sei se devo contar isso ao senhor, talvez... é... melhor outro dia.... Virou-se e deu dois passos até a porta.

– Pode falar, rapaz! O Carlão explicou que o assunto era muito delicado. Não sei se devo, não sei se devo, repetia.

– Por favor, sente-se. Qual é o problema?

– Seu Osvaldo, eu sei que temos nossas opiniões, algumas diferenças... mas eu admiro muito o senhor, por isso acho que devo ser honesto. O pessoal está dizendo... está dizendo... que o senhor...
– Sim?

– Pinto pequeno. Estão dizendo que o senhor tem pinto pequeno.... Desculpe, senhor, mas é o que estão dizendo.

Os olhos de Osvaldo ficaram enormes, injetados de sangue. Ele, o play-boy, o garanhão.... Pinto pequeno, eu????

– Estou contando para ajudar. Em seu lugar eu... daria uma lição. Reuniria todos os homens, baixaria as calças e faria notar o tamanho de minha genitália.
Osvaldo ficou em silêncio, os punhos crispados, a garganta seca. Serviu-se de um café e ofereceu outro para Carlão.

– Isso! Isso! Vou dar uma lição no pessoal.

Osvaldo chamou a secretária e pediu para reunir todos os homens da empresa – 185, na parte livre do almoxarifado. Ele iria discursar.

Osvaldo, de pé sobre um palco improvisado, esbravejou:

– Sei que estão falando nas minhas costas... sei que estão me criticando, mentindo sobre o meu pinto. Dizendo.. dizendo que tenho pinto pequeno.

Carlão, na primeira fileira gritou: – Abaixe as calças! Abaixe as calças!

Osvaldo abaixou as calças e mostrou, com orgulho, como era um homem avantajado. De hoje em diante, quero ser chamado de Osvaldo, grande pinto! Gritou e retirou-se, feliz. Os funcionários iam saindo e cumprimentando o Carlão. Você ganhou... cara! Nunca pensei que realmente conseguisse fazer o chefe abaixar as calças diante dos funcionários.

Marilda contou rindo que o Carlão tinha feito uma aposta. Apostou que conseguiria fazer o chefe descer as calças. E conseguiu. Todos os 327 funcionários da empresa, entre homens e mulheres, todos apostaram. R$ 50,00 cada um. São R$ 15.000,00 para pagar o apartamento e um troquinho para mim... disse o Carlão.

O dono, seu Eufrásio, ao saber da brincadeira chamou o Carlão. Criatividade é o que precisamos nesta empresa, disse. O Carlão mudou de setor. Foi para o departamento de marketing e ganhou uma promoção.

– O que fará hoje teu irmão?- perguntou a prima de Lúcia, enquanto arrumava os brigadeiros.

– Alguma brincadeira... como sempre, agora é chefe da empresa, mas não mudou.

Soou a campainha. Os convidados estavam chegando com presentes para Alberto. Beijos, abraços, frases como: o Carlinhos é um amor, é muito fofinho... Onde está o aniversariante?

Carlão trouxe um presente para Alberto. É para festejar seu novo emprego na faculdade, falou. Um charuto fino, um cubano. Alberto acendeu. Explosão. Risos. Alberto foi lavar o rosto. Tinha ficado preto. Lúcia aproximou-se dele. Você não sabia que ele ia fazer isso? Sabia, Lúcia, eu sabia, mas depois de tudo o que fez por nós... decidi entrar na brincadeira.

Publicado no livro: "Ele e outros contos"

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