OS PORTÕES
Pegou um gladíolo que sobressaía entre as flores que sua irmã
havia espalhado sobre o túmulo e colocou-o no vaso de cerâmica azul com
desenhos bucólicos. Depois foi a vez de arrumar os cravos brancos, logo as
calêndulas junto com folhas verdes. Sempre gostou de ramalhetes, até fez cursos
de ikebana, por isso, nessa tarde de domingo, quando sua irmã Cacilda, sempre
impaciente, espalhou as flores sobre o túmulo, rezou uma rápida prece e disse
tchau Maria, vou para casa de mamãe, ela nem se preocupou.
Quando
terminou de arrumar as flores, o Sol já estava caindo e faltava pouco para que
o guarda-noturno do cemitério fechasse os portões. Deveria ter saído com
Cacilda em vez de dizer tchau e continuar arrumando as flores. Por que eu não fiz isso? Por que sou tão
detalhista? Pensava enquanto caminhava entre as cruzes e os túmulos em busca de
uma saída.
O
sol começava a cair e ela, receosa, acelerou o passo. Olhou para os lados. O
cemitério ficou deserto e ela lá, sozinha. Começou a sentir um friozinho na
barriga. Deu para perceber o formigamento nas mãos, sempre que se assusta tem
essa sensação desagradável. Acelerou ainda mais o passo, tentou correr. Não
conseguiu. Sempre que sentia medo acontecia a mesma coisa, suas pernas não
obedeciam a seu comando. Essas cruzes. Oh! não!.. errei o caminho. Estava na parte detrás do cemitério, só via
um muro pintado de branco. Só isso. Voltou sobre seus passos, túmulos
enfileirados e mais túmulos...Seria essa a rua certa? Sentiu medo.
Queria
sair e rápido. O sol se escondia no horizonte. Cacilda estava apressada, disse
tchau Maria, podia ter me esperado - mas não, nunca me espera, desde criança
ela gosta de deixar-me para trás. Ela, por ser a mais velha, sempre teve mais
liberdade. Para onde estou indo? Estou
perdida. Calma, Maria, calma, você
conhece este cemitério, já veio aqui várias vezes. Calma, calma. Avançou entre
os mausoléus. Ah! Já estava perto de um portão, que sorte!... Queria sair
imediatamente dali. Não conseguia correr, mas conseguia caminhar, ao menos
isso. Seus pés pareciam presos a terra, seu passo não era tão rápido quanto ela
queria e suas pernas tremiam, mas estava indo para frente enquanto as sombras
avançavam. Com desespero, viu o muro branco e os portões fechados. Não conseguiria
sair. Onde estará o guarda- noturno?
As sombras se espalharam sobre os túmulos
dando ao cemitério um aspecto fantasmagórico. Os mortos eram isso mesmo,
mortos. Nada poderiam fazer contra ela, mas mesmo assim ela sentia medo. Devia
ter saído com sua irmã. Cacilda sempre fazia visitas rápidas apenas para
colocar as flores de qualquer maneira, sem nenhuma arte e rezar uma Ave Maria.
Devia
reconhecer a verdade, não sabia o caminho para o portão principal do cemitério
e estava anoitecendo. Anoitecendo depressa. As sombras se estenderam e ela aí,
caminhando sem cessar. Tentando sair. E o vigia? Olhou suas roupas novas. Nem
lembrava quando as havia comprado. Estava tão estressada que nem conseguia
lembrar quando ou em que loja comprara essas roupas. Pena que não tinha o celular com ela. Ela
havia esquecido o celular em casa!... Seguramente na mesa de jantar ou talvez
no criado mudo. Não tinha nem um espelho. Queria olhar-se no espelho. Que
ridículo! Pensou. Querer olhar-se no espelho em um momento desses.
Aquele
mausoléu de mármore branco!.. Desse mausoléu lembrava bem, estava à esquerda do
portão principal. Que sorte! O guarda estará lá. Ele abrirá o portão. Que bom.
Ele abrirá o portão. Apressou o passo e lá estava o portão. Suspirou aliviada.
Sob
os últimos raios do sol e a lua cheia que começava a aparecer no horizonte, viu
o portão, mas ninguém por perto. E o guarda? Avançou até o portão e olhou para
os lados. A solução é escalar, pensou. E, determinada, começou a escalar o
portão, primeiro colocou um pé na barra inferior da grade e ergueu os braços
para segurar na parte superior. Conseguiu elevar-se um pouco. Esforçou-se mais,
ergueu os braços novamente e segurou uma das barras horizontais. Já estou perto
do topo, que sorte! Mais um esforço e... tocou a barra superior do portão, um
pé no ar e o outro pé escorregou antes de poder segurar com as mãos e caiu de
costas. Sentou-se rapidamente no chão, não estava machucada, mas devia iniciar de novo a subida. O
guarda-noturno estará perto? Olhou para os lados. Ninguém. Ficaria aí, agarrada
ao portão. Alguém passaria a qualquer momento e a ajudaria. Suas mãos se
aferraram às grades altas. Quando criança já havia tocado essas grades, foi no
enterro da avó e sempre lhe pareceram muito frias. Mas agora não. Nem sentia a
temperatura, ela estava tão fria quanto o portão. As mãos frias e morrendo de
medo.
De
repente, sons de passos. Um jovem de cabelo loiro transitava pela rua, vinha do
bairro em direção ao ponto de ônibus. No
desespero por chamar a atenção do rapaz sacudiu o portão e gritou, gritou com
todas suas forças. Viu o rapaz parar em frente do portão, com os olhos
arregalados por um segundo, e sair correndo apavorado.
–
Idiota!.. Volte!... Ajude-me a sair daqui.
– O que foi moça?
– perguntou alguém atrás dela.
Graças a Deus, o guarda do cemitério a escutara.
Voltou-se. O que viu a deixou confusa. Havia inúmeras pessoas atrás dela, homens,
mulheres, velhos, jovens, adultos, crianças. Todos olhando o portão. Alguns com
tristeza, outros com desespero e outros ainda, com raiva.
Um velho aproximou-se
dela.
– Você deve ser
nova aqui e não conhece as regras. Só podemos olhar para fora, mas não podemos
sair. Não podemos sair. Só os vivos podem, só os vivos.
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Menção Honrosa no Concurso de Porto Seguro, em 2009.
Menção Honrosa no Concurso de Porto Seguro, em 2009.